Os elementos constituintes do choro tradicional fazem parte
de um estudo que se revela a partir dos compositores, os agentes desta
consolidação. Somente por meio das obras e da análise dos elementos recorrentes
é que poderemos traçar um modelo, e são elas, em realidade que constroem o que
denominamos posteriormente de padrão da tradição, dentro do gênero musical.
As características musicais do choro podem ser conferidas
nessas obras, desde o início do século XX, até aproximadamente os anos 1950,
1960. Dentre as diversas obras, destacamos os seguintes compositores: Ernesto
Nazareth, Pixinguinha, Jacob do Bandolim e Waldir de Azevedo. Entendemos que
por meio de suas composições conseguiremos abarcar a essência do choro
tradicional.
Ernesto Nazareth (1863-1934) nasceu e morreu no Rio de Janeiro. É considerado um
importante compositor brasileiro, que viveu entre o final do século XIX e
início do século XX. No seu livro Carinhoso etc. – história e inventário do
choro, Ary Vasconcelos faz uma divisão da história do choro em seis gerações. A
primeira delas, floresce nos primeiros vinte anos do império, entre os anos de 1870
a 1889 e foi responsável pelas primeiras composições e grupos de choro.
Nazareth foi um dos principais nomes dessa fase junto com Antônio Callado,
Henrique Alves de Mesquita, Viriato Figueira e Chiquinha Gonzaga.
Considerado pela crítica como o elo que une o mundo erudito
e popular. Esta dualidade apresentada em suas composições, com influências
tanto da música popular como de compositores europeus e norte-americanos causou
dificuldades para os pesquisadores o classificarem em erudito ou popular. Observamos
em sua obra, peças que podem ser chamadas de eruditas, seja pelo gênero
utilizado, estrutura ou técnicas trabalhadas, em geral diferentes das
encontradas em seus tangos, valsas e polcas. Mozart de Araújo (1984) escreve:
“ ..A posição de
Ernesto Nazaré na história da música popular brasileira é de maior importância
porque ele foi o fixador, na pauta musical, de fórmulas melódicas, de esquemas
harmônicos e de células rítmicas que se tornaram representativas da
musicalidade nacional”.
A ampla aceitação da obra de Nazareth se deve em grande
parte à sua capacidade de absorver e mesclar estilos.
Mozart Araújo (1984), ao discorrer sobre Ernesto Nazareth em
um capítulo específico de Rapsódia Brasileira, afirmou que apesar dele ser
autor de uma obra que “se compõe na sua quase totalidade de peças dançantes
(tangos, valsas, schotischs, quadrilhas e mazurcas), Nazareth nem sempre foi a
rigor um autor de música para dançar”. Mais adiante, afirma ter privado da
convivência com Nazareth e adiciona: “ podemos afirmar que Nazareth não
compunha pensando em bailes, muito embora fosse o salão o cenário preferido
para suas exibições”. É verdade que a música de Nazareth não foi expressamente
composta para bailes populares. Mas pode ser estruturada à custa de motivos e
células rítmicas, mantém uma relação estreita com a pulsação, toma-se dançante
sem ter a intenção de sê-lo.
A similaridade entre a música de Nazareth e o ragtime
americano já foi apontada mais de uma vez. O pianista Scott Joplin utilizava em
suas composições procedimentos similares aos dos tangos de Nazareth, como
acompanhamento sincopado da mão esquerda, as progressões harmônicas e rítmicas
do baixo, além de serem especialmente compostas para o piano.
Ernesto Nazareth compôs 90 tangos, 41 valsas e 28 polcas,
considerando em geral como a parte mais expressiva de sua produção musical. Em
realidade, segundo vários estudiosos, Nazareth compunha maxixes, porém por
considerar este gênero “muito baixo”, preferiu denominá-los de tango
brasileiro.
Pixinguinha, Alfredo da Rocha Viana Filho, nasceu no Rio de
Janeiro em 23 de abril de 1897. Sua família era numerosa e quase todos tocavam
um instrumento. Seu pai, Afredo da Rocha Viana, era funcionário dos Telégrafos
e figura na importante obra de Pinto como melodioso flautista que tocava “de
primeira vista”. Grandes chorões da época frequentavam sua casa em reuniões
musicais, também chamava de “Pensão Viana”. Frequentou desde muito cedo as
rodas de choro, mas nem sempre obedecia ao que estava escrito na partitura e,
segundo ele mesmo, colocava umas bossas “por fora”. Sua atividade como
compositor começou cedo e, já em 1914, teve muito sucesso com a publicação do
tango Dominante. Mais tarde tocou também nas salas de espera dos cinemas, lugar
onde antes só havia música clássica ou popular importada. Por ser uma grande
novidade para a época, a presença da música popular nesses recintos foi alvo de
muitas críticas.
Para nosso a fase mais importante da carreira de Pixinguinha
foi quando Benedito Lacerda, o convidou para formar uma dupla. Entre 1946 e
1951 gravaram 34 fonogramas, com músicas sempre de autoria de ambos. Todos
sabiam das dificuldades financeiras de Pixinguinha e Benedito o ajudou muito
com suas dívidas, em troca, recebeu as parcerias dos choros que, certamente,
eram somente de Pixinguinha. Vale salientar a importância destas gravações na
caracterização do estilo que Pixinguinha desenvolveu a partir desse momento,
nelas Pixinguinha executa ao saxofone suas famosas linhas de contracanto,
enquanto Benedito Lacerda toca a melodia na flauta. É clara a similaridade com
suas primeiras gravações feitas entre 1910 e 1914 com o Grupo Choro Carioca,
nas quais o oficleide de seu mestre Irineu de Almeida dialogava com sua flauta.
A grande diferença é que o que antes era executado pelos instrumentos graves,
agora passava para uma linha mais aguda, com o saxofone. Em sua vida ele fez
muitas gravações e com diferentes grupos. Era comum participar de várias
formações, inclusive ao mesmo tempo. Separamos abaixo as fases de sua carreira
a partir de algumas gravações dos grupos dos quais ele participava. Esta
divisão foi influenciada pela publicação Casa Edison e seu tempo.
1) Grupo
Choro Carioca, de 1910 a 1915;
2) De 1919 a
1030: Grupo do Pechinguinha;
3) Grupo
Oito batutas, no ano de 1923;
4) As
gravações com Benedito Lacerda, de 1946 a 1951;
5) Suas
gravações com as Orquestras das quais ele era o arranjador: Orquestra Victor
Brasileira e Diabos do Céu.
Para alguns autores Pixinguinha consolidou um padrão de
improvisação no choro e segundo Cabral (1978): “Ele soube reunir uma série de
elementos que andavam dispersos nas primeiras décadas de choro”.
Jacob Pick Bittencourt, conhecido como Jacob do Bandolim,
nasceu em 1918 e faleceu em 1969, na cidade do Rio de Janeiro. Seu primeiro
instrumento foi um violino, porém, por não se adaptar ao uso do arco, passou a
tocá-lo com o auxílio de grampos de cabelo. Quando soube que havia um
instrumento próprio para esse tipo execução, começou a estudar o bandolim.
Jacob não fez da música sua profissão, durante toda a década de 1930 dividiu-se
entre ela e diversos trabalhos: foi vendedor, prático de farmácia, corretor de
seguros, comerciante e escrivão de polícia, cargo que ocupou até morrer.
Segundo A. C. Barreto: “..Jacob Pick Bittencourt (1918-1969)
foi uma das personalidades mais influentes no desenvolvimento do choro. Além do
seu legado enquanto pesquisador, confirmado através de seu arquivo pessoal, e
de sua contribuição na condição de compositor, deixando peças hoje essenciais
no repertório chorístico, Jacob teve um papel importante como intérprete,
demonstrando através de suas releituras, características peculiares, onde
destacamos a sonoridade e a expressão musical.
Nos primeiros anos da década de 1930 fez algumas
apresentações amadorísticas. Desde 1933 apresentou-se nas rádios cariocas,
porém, sua primeira grande chance ocorreu quando o flautista Benedito Lacerda o
convidou a participar do “Programa dos Novos – Grande Concurso dos Novos
Artistas”, da Rádio Guanabara.
Ainda segundo Barreto, o espaço que ele conquistou na rádio
aumentou significativamente sua influência no meio musical. Jacob teve o
respaldo da gravadora Continental e da RCA-Victor, que lhe ofereceram subsídios
para a produção de seus discos e o desenvolvimento de sua carreira como
solista. “Esses dados, aliados à forte personalidade de Jacob e sede u
posicionamento muitas vezes radical, fizeram com que ele se tornasse um
verdadeiro formador de opinião frente aos músicos e personalidades do meio
artístico que viveram nesse período.”
Fato marcante na sua carreira foi a composição de Retratos
(1957-1958) de Radamés Gnattali, escrita para solista especialmente para ele.
Nesta suíte, para bandolim, orquestra e conjunto regional, Radamés homenageou
em cada movimento quatro compositores que considerava fundamentais na formação
da nossa música instrumental: Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Anacleto de
Medeiros e Chiquinha Gonzaga. Para executar essa obra, Jacob foi obrigado a
aprofundar seus estudos de teoria musical, que havia iniciado em 1949.
Waldir de Azevedo (1923-1980) Até meados da década de 1940,
a música era para ele uma atividade amadora. O cavaquinho entrou em sua vida em
1943 e já em 1945 recebeu um convite para fazer um teste como profissional no
conjunto de Dilermando Reis, na Rádio Clube do Rio. Foi contratado e dois anos
mais tarde, Dilermando lhe passou a liderança do conjunto. Em 1949, trabalhando
na Rádio Clube, que ficava no mesmo prédio da gravadora Continental, foi ouvido
pelo diretor artístico da mesma, o compositor Braguinha, que o convidou a
gravar. Este foi seu primeiro disco solo contendo Brasileirinho e Carioquinha.
O disco saiu em 1949 e tornou-se um sucesso de venda, rendeu-lhe a quantia de
120 mil Cruzeiros, que na época equivalia a 14 anos de trabalho para ele. Desde
então ele passou a se dedicar somente à música. Em 1950 compôs uma nova música,
o baião Delicado, que seria seu maior sucesso de vendagem e lhe deu projeção
mundial, juntamente com Vê se gostas. Esse novo feito rendeu-lhe o segundo
disco de ouro de sua carreira. A partir da revelação de Waldir Azevedo, o
cavaquinho saltou do posto de coadjuvante para o de solista, como uma enorme
aceitação nacional.
Consagrou-se como um artista de sucesso, participando de
várias apresentações nacionais e internacionais. Excursionou pela América do
Sul, Europa e Oriente Médio; algumas vezes a convite do Itamarati, na Caravana
da Música Brasileira, criada pela Lei Humberto Teixeira. Teve músicas gravadas
no exterior, principalmente em países como Japão, Alemanha e Estados Unidos. Neste último, o baião Delicado foi gravado
por Percy Faith e sua orquestra, vendendo mais de um milhão de cópias. Outras
composições suas também fizeram muito sucesso, como: Pedacinhos do Céu,
Camundongo, e Amigos do Samba. No auge do sucesso, a morte prematura de uma de
suas filhas fez com que Waldir entrasse em depressão, diminuindo deste modo
suas atividades artísticas. Aos poucos se recuperou emocionalmente e em 1970
aposentou-se como diretor artístico da Rádio Clube do Brasil. Para oficializar
sua aposentadoria como músico resolveu doar seu cavaquinho para o MIS/RJ –
Museu da Imagem e do Som. Em 1971, mudou-se para Brasília para ficar perto de
sua filha e netos. Nesta época retomou suas atividades com o instrumento,
criando com amigos o Clube do Choro de Brasília. Neste período outra fatalidade
o surpreendeu, um acidente doméstico com
seu dedo anelar da mão esquerda. Em 1975 após cirurgias corretivas e longas
sessões de fisioterapia conseguiu voltar às atividades artísticas e voltou a
desempenhar seus solos com a mesma agilidade. Em homenagem compôs Minhas mãos,
meu cavaquinho, título de seu penúltimo disco.
Em 1978 gravou seu último LP, Lamento de um cavaquinho, onde
demonstrou todo seu virtuosismo em Choro doido, de andamento muito rápido.
Waldir Azevedo se destaca entre os músicos que dedicaram sua
carreira ao choro, como foi seu contemporâneo Jacob do Bandolim. Quando gravou
Brasileirinho, em 1949, o samba em seus mais variados estilos ainda reinava
absoluto no rádio e nas gravações de discos. Suas composições fizeram o
choro ganhar projeção nacional e
internacional. Ele esteve ativo em vários momentos da musica brasileira.
Assistiu o samba tradicional carioca dar lugar à bossa nova, a retomada do
poder por Getúlio Vargas, no início da década de 50, e um segundo momento de
valorização da cultura nacional. Ele mesmo participou da Caravana da Música
Brasileira, que tinha o objetivo de divulgar os ritmos brasileiros no exterior.
Mesmo nos anos 60, período que passou por uma série de depressão, permaneceu focado
na valorização do choro. Vale ressaltar sua importância na formação do Clube do
Choro de Brasília e consequentemente da Escola e do movimento do gênero nesta
cidade.
Em alguns momentos chegou a ser criticado por receber
influências estrangeiras, variando seu repertório para se alinhar ao gosto
internacional. Os mais conservadores não o consideram um chorão puro. Em toda
sua carreira, compôs mais de 150
músicas, gravou mais de 30 LP´s, além dos 78 rotações.
Fonte: Valente, Paula Veneziano
Transformações do choro no século XXI